Aos 89 anos, Mujica disse que não fará novos tratamentos devido à saúde frágil. Segundo ele, doença começou no esôfago e agora atingiu o fígado.
O ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica anunciou nesta quinta-feira (9) que o câncer que enfrenta desde abril do ano passado avançou e que decidiu não adotar novos tratamentos.
“Estou morrendo”, disse em uma entrevista ao jornal local Búsqueda, publicada em julho. “Estou condenado, irmão. É até aqui que vou.”
“O câncer no meu esôfago está se espalhando para o meu fígado. Não consigo pará-lo com nada. Por quê? Porque sou um homem velho e porque tenho duas doenças crônicas. Não posso fazer nem um tratamento bioquímico, nem uma cirurgia porque meu o corpo não aguenta”, disse.
Quando descobriu o câncer, Mujica explicou que sofre de uma doença imunológica há mais de 20 anos que afetou, entre outras coisas, seus rins, o que gerava complicações no tratamento.
O ex-presidente, de 89 anos, usou a entrevista para se despedir dos compatriotas e disse que a única coisa que espera nesta etapa final é se dedicar à sua fazenda, localizada nos arredores da capital Montevidéu.
“O que eu quero é me despedir dos meus compatriotas. É fácil ter respeito por aqueles que pensam como você, mas você tem que aprender que a base da democracia é o respeito por aqueles que pensam diferente”, declarou.
Mujica é uma das principais figuras da política uruguaia, que alcançou destaque internacional por seu estilo descontraído e pé no chão.
Ele afirmou que sai “tranquilo e grato” depois de viver uma vida “muito boa”, apesar dos anos que passou na prisão após ser capturado enquanto lutava contra a ditadura.
“A vida é uma bela aventura e um milagre. Estamos muito focados na riqueza e não na felicidade. Estamos focados apenas em fazer as coisas e, antes que você perceba, a vida já passou”, refletiu.
Após ser diagnosticado com câncer de esôfago, Mujica passou por sessões de radioterapia e, desde então, foi internado diversas vezes devido a complicações do tratamento, o que dificultou sua alimentação e hidratação
Em setembro, ele passou por uma cirurgia para garantir que pudesse comer com segurança. Na época, a equipe médica anunciou que a doença estava em remissão
Parte 02
Mujica está morrendo: imagens eternizam encontro de professora de MS com o ex-presidente do Uruguai
Docente foi uma das poucas – senão a única de MS – a ter visitado a chácara de Mujica nos arredores de Montevidéu; ex-presidente compartilhou que o câncer se espalhou pelo corpo
Um idoso de cabelos brancos trabalhando na horta foi uma das primeiras visões que a professora de Mato Grosso do Sul, Fátima Silva, teve de José “Pepe” Mujica ao chegar à chácara do ex-presidente do Uruguai, em 12 de março de 2022, no fim do verão em Montevidéu.

A estrada de terra, os sapatos gastos, o fusca azul velho, as galinhas, o cachorro ‘fiapinho’, a queixa sobre as cebolas que cresceram pequenas são alguns dos detalhes que marcaram a sul-mato-grossense na visita ao pedaço de terra, do qual Mujica não “arredou” o pé nem quando era presidente.
E Mujica enfrentou diversas batalhas ao longo da vida. Militante de esquerda e guerrilheiro, ficou preso durante 14 anos – sete deles em uma solitária. Na cadeira de presidente, foi responsável por atos polêmico como a legalização da maconha – o que diminuiu o tráfico – e do aborto até a 12ª semana de gestação.
Apelidado de “presidente mais pobre do mundo” ao não largar a vida modesta, Mujica não disputou a reeleição. Durante o mandato como presidente, continuou morando com a esposa e ex-senadora, Lúcia Topolansky, na chácara nos arredores de Montevidéu, dirigindo o fusca azul 1987 e até usando sapatos gastos em reuniões com chefes de Estado.
E foi com um sapato furado, mostrando parte do dedo do pé, que o ex-presidente do Uruguai encontrou com o grupo que incluia a ex-presidente da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), Fátima Silva, no fim da pandemia de Covid-19.
A pedagoga é licenciada da REE (Rede Estadual de Educação) para atuar na CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e na Internacional da Educação para a América Latina. Ela confessa, sob risos, que é “ruim” para fazer registros, mas esse encontro com o uruguaio capturou muitos detalhes.
A sul-mato-grossense é uma das poucas – e talvez a única de MS – que visitou a chácara de Mujica. Ela participava de uma comissão de trabalhadores da educação que teve a oportunidade de ir até o endereço. Durante o encontro, a professora observou a preocupação do casal com o funcionamento do local. Enquanto Mujica se ocupava da horta, a esposa Lucia trabalhava no almoço do dia.

Na época, há quase três anos, Mujica já se queixava sobre a morte e dizia que saía de casa apenas para ir ao velório de amigos.
“Eu já estive várias outras vezes com ele. Todas as vezes reclamando também da idade, preocupado com a situação da América Latina, preocupado com o [avanço da extrema-direita] no Brasil e na Argentina […] Ele dizia ‘meu tempo está acabando’”, relembrou a professora.
Outra preocupação do ex-presidente do Uruguai é sobre o futuro da política e a formação de uma juventude crítica. A professora relembra que Mujica criou o grupo Juventude do Sul, que conta com um brasileiro. “Eu quero deixar essa juventude para continuar […] ele disse ‘nós os velhos temos que saber é que os momentos que a gente está vivendo’, quais são os anseios, os valores da democracia, dos direitos humanos”, recorda.
Ícone político da esquerda para a América Latina e do mundo, Mujica também cometia erros, como aponta Fátima. “Uma pessoa extraordinária e também que comete os seus equívocos. Uma vez estive no Uruguai quando ele era presidente e estava brigando com os professores por questões salariais. Ele também enfrentava suas questões administrativas”, pondera.
Além do encontro na chácara, Fátima esteve com o ex-presidente do Uruguai em outras ocasiões, como no lançamento do movimento Lula Livre em Montevidéu em 2018 – quando Lula estava preso -, posse do Senado Uruguaio em 2015 e na Jornada Latino-Americana e Caribenha de Integração dos Povos, em 2024, em Foz do Iguaçu (PR).
Atualmente, com 89 anos, Mujica fez questão de votar nos dois turnos das eleições presidenciais do Uruguai, que elegeu do Yamandu Orsi, da Frente Ampla, em novembro de 2024. O resultado das eleições marcou o retorno da esquerda para a presidência.
“Ele marca a democracia com a sua anti-inteligência, com as suas ideias, não só os uruguaios, mas a humanidade. Ele marca a defesa da democracia, reconhecido mundialmente, e a sua humildade, um exemplo de pessoa que não se apega aos cargos”, avalia a pedagoga.
“Eterno”

Outro sul-mato-grossense que encontrou com Mujica foi o deputado federal Vander Loubet (PT). A conversa ocorreu em 1º de janeiro de 2023, no Congresso Nacional, na posse do presidente do Lula.
“Um homem brilhante, sem dúvida, dono de uma simplicidade e de uma sabedoria que poucos têm. É uma pessoa que representa de forma exemplar a luta por um mundo mais justo, menos desigual e mais humano. Quem acompanha suas entrevistas, seus vídeos divulgados nas redes sociais sabe do que estou falando”, destaca.
O congressionalista recebeu com pesar a notícia sobre a saúde de Mujica, mas exaltou a vitalidade do octogenário.
“Saber dessa situação dele, do câncer, é muito triste. Mas, mesmo diante da iminência da sua partida, o Mujica segue lúcido e muito consciente, sem falar que é muito corajoso. É, mais uma vez, admirável. A frase que ele disse na sua entrevista (‘Meu ciclo acabou. Sinceramente, estou morrendo. E o guerreiro tem direito ao seu descanso’) é muito forte. E me arrisco a dizer que ele vai seguir eterno, por conta da sua figura carismática, das ideias que plantou e de tudo o que fez”, finalizou.
por Thalya Godoy – do Midiamax
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