Quando o país que se apresenta como guardião da liberdade de expressão ensaia sua própria cartilha autoritária.
Os Estados Unidos, berço da Primeira Emenda e defensores históricos da liberdade de expressão, caminham a passos largos para dentro de um labirinto autoritário. A pergunta que não pode mais ser evitada é: já podemos chamar de regime Trump?
O presidente americano transformou o embate com a mídia em política de Estado. Suspensões de programas como o de Jimmy Kimmel, processos bilionários contra jornais tradicionais como The New York Times e The Wall Street Journal, ameaças explícitas de cassar licenças de emissoras que o critiquem. Não se trata de exagero: o próprio Trump já declarou que redes de televisão “arriscam perder suas autorizações se o atacarem de forma consistente”. Uma fala que, em qualquer democracia madura, seria suficiente para acender todos os alarmes.
E como se não bastasse, o Pentágono passou a exigir que jornalistas credenciados submetam suas reportagens para aprovação prévia. Censura oficializada. O país que durante décadas apontou o dedo para outras nações, acusando-as de ditaduras, agora institucionaliza aquilo que sempre condenou.
Há quem compare este momento ao macartismo dos anos 1950, quando a “caça às bruxas” perseguiu supostos comunistas. Mas hoje o cenário é mais grave: não é um movimento dentro do Congresso, mas o próprio presidente que assume o papel de inquisidor, usando o aparato estatal para sufocar críticas. É o “eu faço porque eu quero” de Trump que guia a política oficial.
Ironicamente, os mesmos EUA que rotulam o Brasil de ditadura quando lhes convém — sempre de cima da cátedra moral — convivem agora com um chefe de Estado que ataca universidades, amordaça veículos públicos e silencia jornalistas. O país da “terra da liberdade” tornou-se laboratório do autoritarismo moderno.
O silêncio das elites americanas, liberais e conservadoras, talvez seja ainda mais perturbador do que a própria escalada de Trump. É a conivência, não o confronto. É o pacto de omissão que permite que a democracia mais poderosa do mundo seja subvertida por dentro.
O regime Trump não é apenas uma ameaça interna aos Estados Unidos. Ele expõe uma contradição que enfraquece qualquer discurso americano sobre democracia mundo afora. Quem acusava os outros de ditadura precisa agora olhar no espelho. E o reflexo é incômodo.
Joel Silva – Radialista e jornalista de formação especializado em mkt político.
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